Mudar é difícil, não mudar é fatal!


O título acima é uma frase de W. Pollard, que viveu na Inglaterra no século XIX, sem congestionamentos, sem ter de responder emails ou participar de reuniões com pessoas de 5 fusos horários diferentes. Imagino que na época o barulho mais estridente fosse de algum ferreiro batendo em sua bigorna e mesmo assim Pollard estava preocupado com a nossa capacidade de mudar.

Há alguns séculos atrás grande parte da população era escrava ou submissa à um poderoso monarca, atualmente tais formas de submissões são raras, contudo inventamos algumas outras submissões: ao consumo, ao estilo de vida, a conectividade, aos diversos níveis de segurança etc... tais características da vida moderna nos molda uma ilusão ... a ilusão de que viver é ter de desfrutar de todas as possibilidades e que ser produtivo é conciliar todos os compromissos.

No consultório tais aspectos da vida são comumente expressos com as frases: "estou estressado", "estou sempre correndo", "essa vida é louca", "não consigo parar", "tenho de tomar remédio para dormir" ... e de fato, todas as colocações são verídicas, não há erro perceptivo ou descritivo por parte dos interlocutores, eles realmente estão passando por tais situações.

No início da caminhada terapêutica a cada pequeno avanço, ocorrem alguns retrocessos; idas e vindas que retratam o medo de perder o que já foi consquitado, do que está "quase" por se realizar e a falta de coragem para saltar para o desconhecido... idéias mantidas pela ilusão que o cenário atual mesmo não sendo o melhor, é conhecido! E por conhecido se subentende a ilusão de que é um cenário controlável. A sorte conspira a favor da terapia quando pequenos contrapontos se deixam mostrar, alguns indícios de que há algo de errado. No ambiente terapêutico é possível se aproximar da solidão, das impossibilidades, das crenças e dos medos ... também é possível treinar, pelo menos discursivamente, as diversas possibilidades "dos desconhecidos cenários". Situações difíceis de exercitar fora do ambiente terapêutico, onde as perdas decorrentes das opções e/ou não-opções ocorrerão. Ao escolher "Y", "X" não estará mais disponível e invariavelmente o retorno é impossível. Alguns tendem a posição não farei nada e vou aquentar enquanto der, um dia tudo se resolve. Uma posição até que comum, reforçada por muitos ditos populares desta nossa América Latina, pois de alguma forma todos nós fomos ensinados a sermos resignados frente ao destino. Tomar uma atitude é, em boa medida, contrariar séculos de fatalismo. No outro pólo estão aqueles que tomam tantas decisões importantes num único dia, que possuem a ilusão que estão no controle de suas vidas, a miúde se trata uma outra ponta do mesmo dilema.

Durante os breves minutos das sessões, entre duas turbulências quaisquer da frenética semana do indivíduo, planos e impossibilidades podem se encontrar livremente. Também ocorre que sentimentos de inadequação, solidão, de como ser, de decidir ante as pressões sociais etc., tentarão imprimir à sessão a lógica vivenciada exteriormente, tentativa de mostrar o quão impossível é escapar da voracidade da vida moderna, o quão impossível é o plano de mudar.

A saída ... se é que existe saída, um primeiro passo é não cair nesta rede de argumentações, pois todos nós, em maior ou menor grau, somos impossibilitados e inábeis para dizer um simples não, a tudo que já está funcionando. Neste ponto um devaneio, um trecho genial de Mia Couto: "... preferir não era um verbo feito para ela. Quem nunca aprendeu a querer como pode preferir? ..." esta passagem me remete a questão: Será que tanto os que não optam, quanto os que a tudo abraçam, aprenderam a preferir, ou seja, a refletir em suas ações os seus mais íntimos e verdadeiros desejos?

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