Entrevista sobre casal e relacionamento
O meu, o teu e o nosso projeto de vida
1) É importante fazer planos juntos que envolvam a carreira?
Um projeto só se torna viável quando considera o relacionamento com todos os envolvidos? A resposta é: sim. O casal precisa fazer planos e projetos conjuntos, considerando o futuro de cada um juntamente com o futuro do casal. Um exercício difícil e recompensador, muito embora não deva ser conduzido como um exercício acadêmico, projeto1 aqui, projeto2 ali etc... Um componente que facilita, muito embora não possa ser diretamente mensurado, é: "o desejo de se doar para o bem do outro" por vezes expresso com uma única palavra: "amor". Um precisa trabalhar, o outro precisa terminar a pós-graduação e o casal precisa terminar de plantar os temperos na floreira da sacada. Todos os elementos devem ter seu espaço e devem acomodar possibilidades aos demais. Também posso imaginar que tua questão caminhe pela indagação: se um tem uma carreira o outro deve abrir mão de seus planos? Quando o casal está realmente comprometido, as soluções aparecem. Há alguns anos atendi um casal que estava em crise, ele alegava ter deixado seus planos de lado para acompanhar a esposa em sua jornada profissional, e ela alegava distanciamento emocional dele. Com o processo terapêutico, eles puderam ver que a mudança de cidade somente potencializou outros desencontros existentes. Acertado o problema do casal, ele refez seus planos adequando-os à nova e temporária situação. Passados uns três anos, eles me enviaram um e-mail contanto que mudaram novamente de cidade e os investimentos que ele realizou em estudos, durante o período de "espera", possibilitaram aos dois terem boas carreiras e que o "planejamento" era para terem filhos. Portanto, as situações são transitórias, mas podem se tornar crônicas, caso alguns hábitos não sejam acertados.2) Como evitar brigas do tipo "quem ganha mais" ou "quem vai pagar a conta"?
Como te escrevi rapidamente enquanto combinávamos essa entrevista:"um verdadeiro casal difere de 'ficantes'... no casal, o projeto comum e a vontade de estarem e construírem juntos é espontânea e natural. Toda vez que as reclamações aparecem num tom contratual, como se fosse uma organização societária, então há outros problemas com o casal." Pensei nesta tua questão e o que me ocorre é a deturpação da ideia de casal, pois um deveria ficar feliz pela conquista do outro e se isso não ocorre é necessário investigar de forma detalhada como tal impossibilidade se sustenta. Para que se destruírem? O próprio texto do Código Civil sugere que o casal usufrua igualmente da conquista conjunta, independentemente se um ficou em casa e o outro saiu para trabalhar. Eu gosto deste termo "conquista", me remete a luta conjunta, ao apoio incondicional e aquela força indispensável para superar as dificuldades inerentes à vida... são cúmplices... e, portanto, o ciúmes implícito na formulação da questão somente me alerta para um sintoma de outros problemas.
cúmplices do latim "complex" = unido, junto, envolto, coeso, enlaçado... "Quod est de complexu" = o que faz parte da intimidade.
3) Muitos homens ainda têm aquele sentimento de que "a mulher deve cuidar da casa". Como contornar essa situação?
As décadas passam rápido, mais de vinte anos se passaram quando ouvi pela última vez uma frase que era muito comum: "mulher minha não trabalha fora, e filha minha não mostra as 'carne' na praia!" Era de um lavrador que tinha recém vindo do campo, estava sofrendo um terrível choque cultural com a cidade praiana. Talvez seja mal de consultório e pouca vivência em outros redutos culturais que compõe esse "Brasil de mil brasis", mas há muito tempo que não me deparo com tais homens. Os homens que conheço estão e são mais abertos para os arranjos domésticos. Até aparecem casais em que a reclamação se aproxima a tua questão, mas dentro de uma situação outros conflitos, geralmente cessado o conflito, reconhecidos e amparados os "sentimentos", ambos passam a cuidar da casa.Como contornar? Informação, educação e ter um local em que ele/ela possa falar e ouvir sem restrições ou preconceitos as muitas "verdades" que compõem a vida, pois: "todo conflito causa uma mudança e toda mudança causa um conflito".
4) Mulheres que ocupam cargos altos em empresas estão ficando mais "mandonas" no relacionamento, pois passam a assertividade do trabalho para o namoro. Como resolver essa situação?
Tal situação deve ser examinada em mais detalhes, pois assertividade é uma característica muito boa. Na primeira leitura de tua questão me pareceu que a assertividade seria incompatível com namoro e sensibilidade?! A possibilidade de ganhar o próprio dinheiro, mesmo que o cargo não seja de destaque social já é um elemento que contribui muito para a elevação da autoestima; tristes eram os tempos em que o homem era o provedor e a mulher a do lar. Há alguns redutos institucionais que mantêm essa lógica, como as Varas de Família nos quais mais de 85% das guardas ainda são delegadas exclusivamente às mães, sem ao menos conferir as condições dos pais. Como resolver? Certamente que o caminho é o bom e velho diálogo.Quando você utilizou o termo "mandona" me fez lembrar um caso de uns 9 anos atrás. Ela trabalhava e o marido que fazia tudo em casa, inclusive cuidava dos filhos um ainda bebê e do mais velho com dois anos. O casal não se amava e a separação foi inevitável. Na audiência, ele, para não criar um conflito maior, concordou que a guarda ficasse com ela. Imediatamente após a audiência, ela retirou os filhos da escola particular, que era meio período, os colocou numa creche pública de período integral e com a sobra do dinheiro da pensão dos filhos comprou um carro novo. Passados alguns anos, o filho menor sentido falta do pai manifestou sua rebeldia, a mãe rapidamente "arrumou" um médico que receitou um medicamento para "acalmar" a criança e ela pode voltar a trabalhar em paz, com o filho menor "dopado" na creche. Mesmo passados muitos anos, esse caso ainda me faz pensar nas impossibilidades e vaidades individuais e quanto estas diferem de uma positiva assertividade.