Sobre o papel das mulheres e os casamentos.

Gostaria de lhe fazer quatro perguntas, ... para uma matéria sobre casamento - a idéia é mostrar como a mulher atual está " enxergando" o casamento hoje...

Como se " enxerga" ? Será que ao enxergar não estaríamos de " óculos" ora com lentes feministas e ora com lentes machistas? As muitas mulheres brasileiras, de Ministras de Estado às jovens sem perspectivas que só vem na prostituição a saída para sobrevivência, dificultam o olhar sobre este tema!
Para além das lentes, as possibilidades de " enxergar" tem relação com as próprias expectativas ou " sonhos" e estes não podem ser exclusividade das mulheres, pois justamente o compartilhamento e as interações que definem uma das características mais importantes do casal: a cumplicidade. Portanto, a mesma pessoa num outro relacionamento " enxerga" um outro casamento.
Do " women's movement" na década de 1960 às novas leis, que as vezes parecem ferir a isonomia, será que tudo mudou? As vezes parece que nem tudo, pois ao olharmos com outras " lentes" observamos que as necessidades de carinho, respeito, reconhecimento e aconchego, permanecem as mesmas sob as mais diferentes roupagens.

Como estamos lentamente saindo de um mundo que se via somente com as " lentes machistas", é interessante conhecer um pouco da abrangência do termo " machista", que possui mais elementos que a simples idéia de homem poderoso e que não são considerados no senso comum. O machismo deve ser considerado independentemente do sexo e a partir de uma idéia de naturalidade da realidade na qual se caracterizam a: valorização da atividade do homem; tendência à agressividade corporal; hostilização a aqueles que não compartilham dos mesmos pressupostos; supervalorização da figura idealizada da mãe e da família e, por último, grande importância ao primogênito na família (MARTÍN-BARÓ, Acción & Ideologia).

Após esta breve introdução vamos às respostas.

1- Segundo as mais recentes pesquisas do IBGE, o número de casamento nos Brasil vem crescendo. Na sua visão, as mulheres brasileiras estão resgatando o sonho do casamento?

Nos consultório psicoterápicos homens, mulheres contam sobre suas procuras e invariavelmente aparecem as tentativas de encontro de quem os reconheça e em quem possam confiar. Neste sentido a denominação " sonho de casamento" poderia ser traduzido por estabilidade, cumplicidade e confiança no(a) companheiro(a). Sei que a minha resposta difere um pouco que a idéia veiculada pelo sons das palavras: véu grinalda festa lua de mel... Mesmo vivendo numa sociedade com fortes traços pós-modernos, como Florianópolis, tanto homens quanto mulheres ficam profundamente abalados quando a confiança é rompida, ou em outras palavras quando o sonho se quebra.

Por outro lado, as pesquisas mostram um fato social cuja relação não é só de resgate de um sonho de mulher e por que não dizer sonho de homem ou do casal? Iniciarei comentando dois fatos um jurídico e outro social.
Um fato jurídico importante foi o Código Civil de 2002, no qual a união estável adquiriu status de casamento com regime parcial de bens e a cerimônia religiosa adquiriu equivalência à união civil.
Um fato social interessante é que estamos em meio a uma " troca" de comemorações, algumas deixam de ser enfatizadas enquanto outras ganham intensidade, como a reedição das festas de debutante e as colossais comemorações das formaturas escolares (primeiro grau, segundo grau e universidade). As festas tradicionais, como as religiosas, estão perdendo a força, e uma certa " necessidade social" demandasse a continuidade das comemorações e encontros festivos.
E, na confluência destes dois fatos é que observamos o incremento das festas de casamentos. Desconheço dados estatísticos atualizados que segmentem por camadas sócio-econômicas, mas certamente que a idéia de " sonho de casamento" demandam de um gasto considerável, provavelmente, salvo alguns casos de parcelamentos para pagamento da festa, as grandes comemorações aconteçam nas camadas mais economicamente favorecidas.

2- Em contrapartida, também cresce muito o número de divórcios: a mulher brasileira atual sonha e busca se casar, mas recusa o papel de " Amélia" ?

Certamente, mas diria nem " Amélia" e nem " Zé" .
Devo, também, alertar quanto ao problema estatístico, pois uma vez que a união estável adquiriu status de casamento e havendo filhos ou problemas na divisão patrimonial a separação é necessariamente jurídica. Portanto, uma parte do incremento observado nos dados estatísticos não se deve à separação dos casamentos formais, mas às uniões estáveis. E recentemente a Lei 11.441 de janeiro 2007, que facilita a formalização para a dissolução da união, irá colocar outros problemas nos dados estatísticos.
Num outro trabalho, que realizei em 2004, ficou nítido que a maior quantidade de separações ocorre nas uniões estáveis, o que pode indicar que os casais que optam pela cerimônia religiosa e rito cartorial de certa forma tem mais tempo para refletir sobre este importante passo e/ou outra relação com os valores subjacentes ao casamento.

..." mas recusa o papel de " Amélia" ?"
Certamente, mas as recusas não ocorrem sem controvérsias. Pensando nos avanços das sociedades pós-modernas, vemos que uma característica paradoxal se destaca: nas sociedades atuais há um incremento no contato com as diferenças e um concomitante incremento da impaciência e da intolerância: tudo deve ser instantâneo. As diferenças demandam maior tempo para assimilação e as pessoas estão mais impacientes! De forma correlata, no casamento a igualdade de papéis entre homens e mulheres demanda que a mulher abdique da simplicidade da vida doméstica e o homem abdique do papel de provedor exclusivo. E, esta mudança demanda tempo e perseverança, pois outras transições devem ocorrer nas demais camadas sociais.
Observe que se este sintoma social de intolerância pode ser mais acentuado em determinados segmentos sociais, no qual o não atendimento às expectativas se torna motivador para o rompimento. Imagine um decalque deste fenômeno no âmbito relacional, seria como se as pessoas fizessem em seus relacionamentos afetivos o que a mídia estimula os indivíduos a fazerem com os produtos: descartar e trocar por outro mais atualizado.
Num outro extremo social, longe dos grandes centros urbanos. A recente notícia, janeiro 2007, que a função social da Lei Maria da Penha ainda não surtiu qualquer dos efeitos esperados, demonstra que há muitos outros aspectos a serem considerados antes de postularmos o fim da " Amélia" .

3- Na sua visão, o que mais mudou no Brasil na relação " mulher brasileira e casamento" ?

Nos grandes centros, nas últimas décadas, o sexo deixou de ser tabu e o mercado de trabalho demanda de homens e mulheres capacitados. O estilo e as exigências da vida pós-moderna demandam que ambos colaborem para o sustento do lar e, também, para a consecução de projetos maiores. Desta forma as mulheres saíram de casa para trabalhar em funções qualificadas e adquiriram juntamente com o homem o direito e o dever de sustentar o lar e de serem profissionais competentes, como efeito colateral os filhos estão sendo institucionalizados. Na esfera sexual os casamentos também mudaram, pois tanto os homens quanto às mulheres estão mais atentos a manutenção de relações que lhes satisfaçam. Então, diria que as mudanças residem numa atuação mais efetiva da mulher, num fluxo mais igualitário de papéis profissionais e domésticos e na manutenção da satisfação afetiva e sexual.

4- Quais as principais dicas que você daria as noivas que buscam o " até que a morte os separe" ?

Paciência, para que não só a noiva, mas para que o casal não tenha pressa e não se casem para sair de casa. Que tenham a possibilidade de fazer um período de teste e só casem ou se unam estavelmente após a fase da paixão passar, o que leva de um a dois anos.
Em outras palavras, o mínimo para que uma relação perdure está no aprendizado e que ambos se permitam mostrar como verdadeiramente são. Quando o encantamento passa o príncipe e a princesa viram sapos e depois, diante desta triste visão de realidade, os dois juntos podem se reconstruir admirando as virtudes e os defeitos de cada um.


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