Carta a respeito da Violência Doméstica.
Carta encaminhada ao Jornal Hoje - Rede GloboFlorianópolis, 03 de Fevereiro, 2006
Prezados Srs.,
Gostaria de cumprimenta-los pela matéria sobre Violência Doméstica veiculada nesta semana. Por trabalhar com terapia familiar considero o tema de extrema relevância. Em meu trabalho noto algumas particularidades que vossa reportagem abarcou de forma indireta ao focalizarem a minoria dos casos mais graves. Sim, concordo os casos graves e/ou repetitivos devem ser denunciados.
Gostaria de alertar para um outro lado. A aplicação da lei pura também acaba por punir a criança, que será privada de um dos genitores e num extremo poderá até ser colocada em instituições e que vossa reportagem, no passado, já mostrou o quão precárias são.
Portanto, atender casos de violência doméstica é como caminhar entre a cruz e a espada. A solução ideal aponta para as tentativas de recuperação dos agressores, tarefa nem sempre fácil ou exeqüível. Dos agressores no plural, pois dificilmente a violência à criança se dá sem que haja um ambiente que tolere a violência como uma forma aceitável de solução. Em outras palavras, se um bateu é porque os demais endossam tais medidas. E, complemento, endossam durante anos a fio e muitas vezes com o silêncio ou com a justificativa que a criança fez por merecer.
A grande maioria dos casos de violência doméstica ocorrem " devagarinho", exatamente como o vídeo apresentado durante a reportagem, no qual uma " cuidadora" administrava pequenas e constantes " palmadinhas" nas crianças. Note que tais pessoas estão convictas que este é um bom método educativo. Uma outra violência, e muito difícil de detectar, é a psicológica: berros, cala boca, falta de paciência etc. Esta não deixa lesões ou hematomas, a criança fica ou " agitadinha" ou " quietinha" e as que a conhecem naturalizam a situação dizendo: " ela sempre foi assim!" .
Seria adequado, portanto, que fossem veiculadas alternativas para esta grande maioria de casos " mais leves", o sentido que os " cuidadores" possam pedir ajuda sem serem taxados ou melindrados. E, que não há motivo de vergonha ou constrangimento por admitir que não estão dando conta, pois quem pede ajuda a um profissional (seja psicólogo ou assistente social) não será recriminado, muito pelo contrário, terá uma boa acolhida.
Espero que estas idéias possam ser veiculadas e que não fique sobre os profissionais a ingrata incumbência de só serem interpelados quando o " leite derramou" .
Arthur Müller