A mediação e terapia nos processos de separação

O processo de separação de um casal é geralmente doloroso e quando em litígio atinge raias inimagináveis. Alguns aspectos são mais evidentes como o " delay" processual que demanda um contínuo rememorar de fatos e detalhes passados e, outros nem tanto, como a raiva pela impossibilidade de gerir a própria vida e o aguardo das " resoluções" do sistema jurídico. Um quadro agravado quando a separação envolve filhos, pela simples demanda da continuidade de contato e acertos já que a modalidade de guarda não destitui, ou quiçá não deveria solapar, o poder familiar. Nestes casos uma outra forma de interveção se torna imprescindível.

O sistema judiciário está atento aos danos que a morosidade causa aos aspectos psicoafetivos dos separandos e, sobretudo, ao desenvolvimento dos filhos; incluiu em suas práticas a inserção de alguns procedimentos mitigatórios. Dentre eles o incentivo aos acordos durante a própria audiência e serviços complementares (disponível somente em algumas comarcas) como a atenção psicossocial e a mediação, que abordaremos com mais detalhes. Infelizmente se sabe que nenhuma dessas práticas são profícuas quando uma das partes se vale de perfídias e dissimulações para manter uma posição vantajosa. Nestes casos é o sistema judiciário, como poder maior, que deve/deveria rever suas próprias decisões, pois há muitos casos que para não entrar numa contenda jurídica uma das partes cede durante a tabulação inicial. E, justamente quem cedeu e fez a " coisa certa" para evitar o pior " o litígio", ao cabo de alguns anos apresenta um grave processo de falência pessoal e profissional, comumente em depressão devido a contradição de " ser punido por ter feito o certo" . A justiça nestes casos, também é cega, mesmo nos processos apensados e distribuídos a um único magistrado, que deveria prover um tratamento uníssono ao conjunto processual, tais concessões iniciais não são consideradas. Assim, a mediação tem restrições, ou seja, só se torna possível quando as partes têm um mínimo de discernimento e apresentam equilibrio do ponto de vista jurídico.

Na mediação há três estágios típicos:

» a que o mediador apenas intervêm no sentido de estimular o fluxo de informações entre os mediandos e estes apresentam boas condições para dialogarem;
» intervenções em que o mediador deve identificar as opções manifestadas pelas partes e traduzi-las no sentido de esclarecer os aspectos positivos e negativos, para que os separandos possam " ouvir a proposta do outro" e
» as intervenções em que o mediador deve corrigir os problemas nas manifestações dos mediandos, com o intento que estes mudem de postura e possam reassumir as possibilidades de gerar soluções.

Em qualquer intervenção o mediador deve manter a imparcialidade, pois as soluções duradouras são as consensuais dos mediandos. A técnica adotada irá depender da capacidade das partes em dialogarem e, em alguns casos, são necessários vários encontros. Assim que os mediandos (re)assumam a capacidade de diálogo, o mediador se distancia diminuindo as intervenções corretivas e estimulando alternativas. As vantagens são claras, como: a retomada da própria vida; extinção dos processos; diminuição dos custos processuais; dissipação das ansiedades; soluções mais duradouras; diminuição dos conflitos dos filhos e audiências menos dramáticas.

Mesmo com profissionais habilitados em diferentes técnicas de abordagem e condução, a mediação nem sempre é fácil, pois depende da vontade da partes em quererem um acordo, capacidade de diálogo, respeito mútuo e bom discernimento. E, como já disse Descartes, " bom senso é a coisa mais bem repartida no mundo, ninguém quer mais do que tem." Um acordo duradouro só pode ser concebido se as partes estiverem com um certo bom senso ou, em outras palavras, entendimento das fontes de medo e angústia decorrentes de seu aprendizado psicoemocional.

A situação em si e, sobretudo, os meios jurídicos adotados para auferir " vantagens", potencializam o quadro e conduzem os separandos a incapacidade da resolução dos conflitos por sua própria vontade. Os meios jurídicos são rapidamente alocados à serviço da(s) impossibilidade(s) do(s) separando(s) e conforme Vainer (1999), " na medida em que a separação emocional não acompanha a separação legal e uma ou ambas as partes não superam as perdas, é muitas vezes no sistema jurídico que elas encontram a porta aberta para a possibilidade de negação ou perpetuação do vínculo rompido oficialmente por esse próprio sistema" (p.14). A idéia de Vainer é interessante para refletir aspectos como as impossibilidades individuais como mantenedoras do conflito, mas não só, pois permite pensar sobre a ineficácia da temporalidade e meios judiciais na diminuição da contenda. Na maioria dos casos de litígio não há crime configurado, portanto, cabe ao poder descricinário do magistrado a transformação de uma situação emocional num fato legal, geralmente registrado cartorialmente sob forma de um incompleto e lacônico termo de audiência. Transcorrido alguns dias da assinatura do termo da audiência, geralmente 15, o que era uma relação afetiva adquire valor legal: " a família, os filhos, a educação... transformam-se num amontoado de papéis" .

é notória a hipossuficiência das relação burocratizadas nas demandas do rápido e complexo desenvolvimento infanto-juvenil. As medidas jurídicas são inapropriadas na reestruturação das relações familiares e o dano as crianças se torna inevitável. Os termos acordados ou sentenciados que ganharam força de lei se mostram irreversíveis e as situações mais simples ganham contornos absurdos. O conflito adquire aspecto crônico e insolúvel e o próprio judiciário não consegue reverter, a tempo, os danos que causou ou que irá causar. Alguns tem ciência de tais aspectos e sofrem enquanto outros naturalizam a situação. Mas, o problema não é tão simples, pois na situação de conflito crônico não se pode deixar de considerar outras fontes de influência, como: as atuais e rápidas variações econômicas, interferências familiares, apoio psicossocial, atuação dos advogados... Alguns relatos extraoficiais de juristas ligados à Vara de Família demonstram as conseqüências deletérias deflagradas durante as separações, muitas delas relacionadas a problemas na tabulação inicial e/ou falta de empenho dos profissionais envolvidos, como: agressões, falências, abandonos, suicídios, homicídios, etc. Portanto, para a reestruturação familiar se torna imperativa a desarticulação do conflito em todos os aspectos possíveis.

A terapia familiar, dentre outras possibilidades, constitui um elemento a ser considerado na facilitação ou criação de alternativas para a recomposição familiar. A terapia pode auxiliar nos casos em que os aspectos psicoafetivos, crenças e mitos familiares estejam impossibilitando a condução dos trabalhos jurídicos ou de mediação quando, por exemplo, a(s) parte(s) discorre(m) de forma recorrente e emocional uma longa lista de empecilhos e acusações, cobrando-se mutuamente uma conta impagável. Tais características do(s) separando(s) denota uma impossibilidade de romper o vínculo e, nestes casos, as tentativas de objetivar os aspectos relacionais podem causar reações inusitadas, pois mobiliza disposições para manter e/ou polarizar comportamentos destrutivos, hostis, depressivos, entre outros. No processo terapêutico, abre-se a possibilidade de externalizar os sentimentos, ser compreendido e de resignificar, enfim, gera-se um outro modo de abordar os problemas que se apresentam.

Assim, mediação e terapia familiar nas separações constituem processos complementares, pois fatos, emoção e razão não podem ser simplesmente cindidos.


Observações:
Resolução > a sentença visa dar solução ao processo e não, propriamente, ao conflito, este pode perdurar, e em alguns casos se agrava, mesmo despois de prolatada a sentença. A solução de tal "paradoxo" tem melhores chances de sucesso via a interlocução assistida das partes. "Paradoxo", pois em algum momento, após Salomão, o judiciário passou a valorizar a peça processual em detrimento às pessoas.
Arbitragem > processo legal em que um árbitro neutro, escolhido pelas partes ou indicado pelo juiz, pondera (arbitra com força de lei) a melhor solução. No Brasil a Lei da Arbitragem 9.307 - 1996.
Árbitro >lat. séc. XII, arbiter, arbitrium > senhor absoluto do destino das pessoas.
Conciliação > expressão que pode significar tanto as tentativas de acordo fomentadas durante a própria audiência, quanto a contratação extrajudicial de um conciliador imparcial, escolhido pelas partes, que propõe soluções e havendo acordo é marcada uma audiência de homologação.
Mediação > processo extrajudicial em que um mediador imparcial, escolhido pelas partes, auxilia para que os envolvidos encontrem a melhor solução a ser homologada. No Brasil não há lei para mediação.


Referências bibliográficas

FISHER, Roger; URY, Willian; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. São Paulo: Imago, 1994.
MOORE, Christopher. Processo de mediação. Porto Alegre: Artmed, 1998.
VAINER, Ricardo. Anatomia de um divórcio interminável: o litígio como forma de vínculo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

Citação deste texto:
MÜLLER, Arthur W. A mediação e terapia nos processos de separação. Florianópolis:[s.n.], 2010. Disponível em: < https://awmueller.com/terapia-familiar/mediacao.htm <.

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