Filhos durante a separação
Antes da separação, os filhos presenciam incontáveis brigas do casal e após a separação, os pais tendem a seduzi-los e/ou superprotegê-los. Quando ouvidos separadamente, os genitores reconhecem os limites e problemas de suas ações, mas que devido à própria separação não possuem condições e/ou estão arrolados pela lógica jurídica que os impossibilita de adotar medidas satisfatórias.
Presos a um círculo vicioso, intensificado pelos processos, os pais acabam por arrolar as crianças em suas impossibilidades. Nestes casos, as crianças acabam sendo utilizadas como extensão das brigas e como verdadeiras armas conferindo assim, legitimidade à lógica processual!! No caso de incremento destas atuações, medidas externas devem ser tomadas no sentido de preservar as crianças e, paradoxalmente, tais medidas são jurídicas.
O sistema jurídico atua nas duas pontas: é invocado para "solucionar" uma dada contenda e, infelizmente, seus ritos comumente a intensificam, pois o sistema e é (re)invocado para aplacar as contendas insurgentes! Um verdadeiro perpetuum mobile.
Uma das características da fase de conflitos anterior à separação, é a "desconfirmação" das percepções da criança que muitas vezes assiste - de camarote - às brigas e, um pouco depois, ouve de um dos pais: "não foi nada, vai dormir!!" Independentemente da possibilidade de separação, os pais devem saber como comunicar aos filhos os acontecimentos e procurar ajuda e/ou meios para que cessem os conflitos e brigas. Como na música que diz "o silêncio grita", a imaginação dos filhos sobre a ruptura do casal os faz sofrer mais do que os fatos verdadeiramente dialogados. É mais fácil, para eles confiarem e terem tranquilidade, se forem respeitados em seus direitos de saber o que está acontecendo. Este diálogo (em um clima bom) juntamente com as planificações da continuidade dos cuidados de ambos os pais, é fundamental para que os filhos não fiquem emaranhados no(s) processo(s) de separação/divórcio.
Por outro lado, no conflito do ex-casal, é como se cada qual dissesse:
"Eu sou responsável e, portanto digno de confiança, como demonstra minha história; já o outro é irresponsável, como demonstra sua história, que eu relatei, e, portanto não é digno de confiança, sendo até mesmo a causa do mal passado, presente, e futuro dos meus filhos". Assim começa uma disputa massacrante, à luz de um escopo nobre, que é a sanidade e bem-estar da prole... A urgência é concretizada na dramatização... 'O meu filho deixou de comer, e quando come, vomita...' ... Saem a campo as famílias de origem. A batalha estende-se. ... O dossiê vai engrossando... (SACCU; MONTINARI, 1995, p. 185).
Nas separações consensuais, os jovens e as crianças apresentam boas condições de saírem íntegros dos conflitos de seus pais. Pelas estatísticas de casamentos e divórcios do IBGE, dos processos de separações, aproximadamente 80% são convertidos em consensuais e 20% em litigiosos. Estes dados demonstram que uma parcela substancial dos separandos possui uma extrema dificuldade de concretizar uma separação saudável ou vislumbram auferir vantagens com o processo. De uma forma ou de outra, os filhos percebem que os conflitos do casal ou ex-casal, não lhes é salutar e muito frequentemente relatam o alívio quando a separação se consuma e as brigas cessam.
Um bom acordo inicial, bem como a reflexão sobre os danos a longo prazo são elementos fundamentais para evitar o litígio ou a constante reabertura dos processos. O que poderia ser encerrado em um mês, pode se tornar num "irascível" processo, ainda mais quando uma das partes quer obter proveito, normalmente a partir de uma brecha do acordo inicial. A temporalidade dos ritos jurídicos é comumente, e de má-fé, utilizada para tirar proveito, sendo sua maior característica transformar uma situação difícil num incompreensível amontoado de páginas. Desgastado e ultrapassado mesmo antes da marcação da primeira audiência, o volume processual nada mais é que a perpetuação das dores, conflitos e prova cabal da impossibilidade de falar em desenvolvimento infanto-juvenil no sistema judiciário. E, de tais fatos só se pode lamentar, pois, são os filhos quem irão pagar... os filhos do litígio... que costumeiramente são utilizados como meios para "engessar" os processos ... sim, lamentar, pois pouco se pode fazer diante das sequelas oriundas de tais atuações.
Vários casos de oportunismo chamam a atenção, por exemplo: no século XXI, uma irresignada ex-esposa bloqueou a venda da casa que havida sido acordada na audiência conciliatória (separação de corpos) e para tal utilizou o atraso de fala do filho caçula. Nas peças processuais, o filho foi apresentado como tendo "paralisia cerebral" e na ausência de provas, o processo foi recheado de fotos do filho em pé ao lado de cadeirantes. Tal manobra fez com que os processos se delongassem por anos, o que levou o ex-marido a uma tremenda dificuldade pessoal e financeira. Não satisfeita com o feito jurídico, ela retirou os filhos da escola particular e os colocou em uma creche pública e alguns meses depois ela comprou um carro novo. O pai que ia regularmente buscar os filhos na casa da ex, passou a ser agredido na retirada dos filhos, relatou ele: "enquanto eu afivelava os cintos de segurança ela me beliscava e dizia: 'me bate que eu tô louca por um BO'", provavelmente querendo se beneficiar da, recém-promulgada, lei "Maria da Penha". O ex-marido diante da insólita situação (falência pessoal, pedidos de prisão, fustigações e inércia judicial) se afastou e passou a visitar os filhos na escola. O movimento jurídico continuou, a ex-esposa passou a acusá-lo por "abandono e irresponsabilidade". Os anos passaram e mais de duas mil páginas se avolumaram à solitária página do acordo inicial... O que aconteceu com o filho utilizado para "engessar" o processo? Ele acabou por aderir ao desejo materno: "melhorar significa mamãe perder a luxuosa casa". E o filho mais velho aderiu à raiva materna contra o pai, passando a evita-lo inclusive a se esconder do pai, quando esse se aproximava. Este é um pequeno exemplo da ineficácia processual e do sofrimento das crianças envolvidas. Tal emaranhado de oportunismo da ex-mulher ecoa na conduta de seu patrono (advogado) e ocorre mesmo com todos os processos agrupados a um único magistrado* e sob as vistas do Ministério Público**.
Longe de tais insanidades proporcionadas pelos litígios, o escritor Corneau (1993) demonstra que quando os filhos já saíram da fase de indiferenciação com a mãe (até os 2 anos), a ausência paterna pode gerar confusões quanto à identidade sexual, falta de limites, dificuldades quanto ao manejo da agressividade, autoestima rebaixada e problemas na capacidade exploratória. E, quando os conflitos são continuados, os filhos podem apresentar baixo rendimento escolar, enurese e até envolvimento com drogas. Nos conflitos continuados, tantos são os casos de jovens com problemas, que se pode imaginar que seus "gritos silenciosos perduram, pois não dispõem quem lhes escute".
Participação dos acontecimentos
Fazer com que os filhos participem das mudanças: quando em "clima" tranquilo pode ser ótimo e quando em "clima" tumultuado pelo menos auxilia para diminuir as fantasias ou serem pegas de surpresa. O limite do tumulto é a violência física e/ou psicológica e destes extremos os filhos devem ser preservados. Tais medidas não garantem a ausência de conflitos nas crianças, mas certamente auxiliam os envolvidos a administrá-los melhor seja na revelação, ou nos momentos de raiva, resignação, saudades e carência.
Um outro aspecto interessante a ser preservado e cultivado é a coerência e a demonstração emocional dos pais, se está triste, não tenha medo de se mostrar e converse a respeito com a criança. É incrível a capacidade de compreensão das crianças, inclusive das muito pequenas. Converse mesmo que seu filho seja um bebê de colo, transmita a ele de forma calma o que está sentindo, tal ação gera segurança e tranquilidade. Assim, a criança pode compreender melhor a situação e, de quebra, aprende a conversar sobre seus sentimentos e não tem sua percepção negada.
Outro aspecto: dentro do sistema social, o sistema jurídico embora propale a paz, é um sistema de e para a guerra das relações burocráticas*** e seus rendimentos são diretamente proporcionais às discórdias. Portanto, imaginar que tal sistema tenha possibilidade de contribuir na mitigação de conflitos é, no mínimo, contraditório. Outros, que desejam manter tal sistema inalterado, ponderam: ruim com ele, pior sem ele ?!
Referências bibliográficas
BERTHOUD, C. Filhos do coração. Taubaté: Cabral Editora Universitária, 1997.CARTER, B.; MCGOLDRICK, M. As mudanças do ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
CORNEAU, G. Pai ausente, filho carente: o que aconteceu com os homens? São Paulo: Brasiliense, 1993.
OMER, Haim. Autoridade sem violência: o resgate da voz dos pais. Belo Horizonte: ArteSã, 2002.
SACCU, Carmine; MONTINARI, Giovana. As crianças, pequenos Ulisses entre Cila e Caribde. In: ANDOLFI, Maurizio. Casal em crise. 2 ed., São Paulo: Summus, 1995.
SLUZKI, C.E. A rede social na prática sistêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
ZAGURY, Tania. Limites sem trauma: construindo cidadãos. Rio de Janeiro: Record, 2004.
Citação deste texto:
MÜLLER, Arthur W. Filhos durante a separação. Florianópolis:[s.n.], 2009. Disponível em: <; https://awmueller.com/terapia-familiar/separacao-filhos.htm >;.
* Após o sorteio inicial os eventuais processos adicionais tramitam na mesma Vara e com o mesmo magistrado, tal medida visa (teoricamente) evitar delongas e petições desnecessárias. E, na Vara de Família deveria (teoricamente) proteger os menores da voracidade processual.
** Ministério Público ->; deve ou pelo menos deveria ser os "olhos" do Estado para evitar que os menores envolvidos nos processos sejam prejudicados pelos oportunismos e manipulações das partes e seus patronos (advogados).
*** relação burocrática ->; é somente uma troca: das relações mediadas pelo respeito e afeto pelas relações mediadas pelas formalidades e documentos.